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FRAGMENTOS DE MEMÓRIA. |
As Encruzilhadas no Caminho por Dov Tzamir |
Este capítulo é dedicado aos companheiros do Kibutz Bror Chail, das diversas gerações, |
que em suas vidas realizaram a vivência do movimento, criaram |
um estabelecimento no Neguev e definiram fronteira. |
Introdução |
A geração dos fundadores do movimento encontrou-se no mundo caótico que se |
formou depois da grande guerra, diante de questões cuja compreensão global era difícil. |
A Europa estava destruída, e o que sabíamos sobre o Holocausto não nos possibilitava |
compreender a profundidade da tragédia. No pano de fundo da matança de populações |
gigantescas (ainda não conhecíamos o número monstruoso da morte de 57 milhões de |
pessoas), parecia a luta da pequena coletividade em Eretz Israel frente ao império |
britânico e o mundo árabe verossímel somente aos olhos de sionistas crentes, e esses |
eram poucos. Lidamos com o começo do estabelecimento do povo, sem saber de |
antemão as dimensões de nossa ação e o preço do sacrifício. Não sabíamos quem |
seriam os futuros parceiros na construção do país, e poucos foram os que previram que |
faríamos frente aos nossos vizinhos nas desgastantes guerras de várias gerações. No fim |
da guerra, quando tomamos conhecimento do holocausto acontecido na Europa, eu me |
encontrei em pleno processo de assimilação à sociedade e cultura brasileiras. A |
contradição entre os dois processos, o pessoal de um lado, e o do povo judeu de outro |
lado, me conduziu a uma crise espiritual e emocional profunda. Essa diferença acionou |
dentro de mim um processo intransigente de procura espiritual e intelectual, não só nas |
minhas raizes familiares, mas também na tentativa de entender o meu judaismo, a |
natureza do Holocausto e suas causas. Queria saber para onde conduzem os caminhos |
do judaismo após o evento de caráter apocalíptico. Nessas procuras, e com a sensação |
interna que meu caminho e meu futuro exigem respostas apropriadas, comecei a jornada |
sem que tivesse idéia da longitude do tempo e para onde me conduziria ao fim do |
caminho. As incertezas se apresentavam diante de mim quando saí para o caminho no |
qual os pontos de interrogação conduziam. |
A Família na Polônia |
Minha família é originária da Polônia e se espalhou pela região de Lublin. Eu nasci |
no ano de 1927, na casa de meu avô, Zeev Goldman, pai de minha mãe, na cidade de |
Chelm. Quando eu tinha dois anos de idade, meu pai viajou para o Brasil à procura de |
sustento, e nós continuamos a viver com meu avô até a sua morte, em 1933. A irmã de |
minha mãe vivia em Lublin e seu irmão numa fazenda cerca de Zamosc2 Meu avô |
Aharon Zimering, pai de meu pai, vivia com sua grande família em um Shtetel (aldeia) em |
Piaski. Eu chegava em visitas constantes em casa de meus parentes, uma ou duas vezes |
ao ano na casa dos tios, e nas festas grandes na casa de meu avô Aharon. |
Mas a vida real vivi com meu avô Zeev Goldman. Ele foi a figura proeminente da |
minha vida. Foi para mim um atenuante em muitas horas de angústia que tive em minha |
vida. |
No princípio de 1934 recebemos as passagens e embarcamos para o Brasil. |
Durante a viagem através do grande oceano, sobre o qual eu sabia somente das estórias, |
senti-me solitário e livre. Ao an do mar, que purifica a alma, lembrei-me da época em que |
a figura de meu avô se elevava, e só ela me proporcionava a justificativa de existência, |
nessa época. Saí da Polônia com as sensações de uma criança alienada, sem vivência |
judaica arraigada. Não vivenciei uma casa judaica organizada, sinagoga com suas rezas |
e comportamentos, e nem escola judaica em yidisch ou em hebraico. Tudo isso me |
prejudicou quando me expus à corrente arrastadora e assimilante da cultura brasileira. |
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Falava polonês e ouvia yidisch em casa, enquanto que o russo era o idioma que falavam |
os adultos quando não queriam que eu entendesse, de forma que eu não podia sentir |
nenhuma delas como minha língua-mãe. o português, aprendi rapidamente, como meio |
de integração no novo ambiente. |
Brasil |
Moramos em Santos, numa casa conjugada, com uma família local. Os assuntos |
materiais não me preocupavam, a maior dificuldade que encontrei na minha chegada ao |
Brasil foi o encontro com meu pai, entender e aceitar a sua posição na hierarquia familiar, |
e aceitar que a vida que tive com meu avô tinha sido especial. Lembrança que aparecia e |
sentia com saudade e em sonhos. |
Também no Brasil eu não tive uma casa judaica ativa, sem sinagoga e sem escola |
judaica. Expus-me inteiramente à vivência brasileira, que era católica na sua essência e |
assimiladora em seu caráter. |
A luta principal pela minha sobrevivência eu mantive na escola. Em um ano aprendi |
o português, esqueci completamente o polonês que sabia, e absorvi o yidisch, que era |
necessário para a comunicação em casa. |
Os quatro anos de escola primária passaram rapidamente. Eles deixaram frutos |
valiosos, como o domínio do idioma, integração na sociedade juvenil, que incluiu a |
introversão da tolerância, principalmente a tolerância racial com relação aos tons de cor |
dos mestiços, mulatos, cafusos, e as misturas deles. Os japoneses também entraram na |
mistura de todos os tons de branco e suas raizes, os italianos, os espanhois, os |
portugueses. Meu relacionamento para com os alemães era diferente, em comparação |
com os outros grupos étnicos. Diferença que se desenvolveu durante a guerra civil |
espanhola e depois, com o domínio de Hitler sobre a Europa. Meu pai lia os jornais diários |
em português e jornais em yidisch e nos explicava o que ocorria no mundo, o que me |
ajudava muito nas discussões que tinha na escola. No ambiente de pré-guerra, com a |
presença de representantes de todas as partes do conflito, eu me via obrigado a participar |
nelas, principalmente por ser judeu-polonês. E eu o fiz numa proporção de violência não |
despresível, para me sobrepor à timidez e aos temores que se desvendaram no processo |
de minha adolescência. |
Minha Libertação do Gringo |
Não entendi o conceito de gringo como um símbolo coletivo, não identifiquei que |
entre eu e os japoneses e os alemães houvesse alguma ligação essencial, a vivência de |
imigrante. Os professores ajudaram muito, o diretor da escola foi como um raio de luz. Eu |
me esforcei muito, deve-se ter sucesso para escapar do estigma de imigrante, de |
estranho, da con e natureza diferente dele, expressando isso com um quase cinismo. No |
início se olha para ele, escarnea e zomba dele. Porém, no momento em que ele perde um |
pouco da característica estranha e estrangeira do imigrante, ele desaparece e é engolido |
pelo todo. No final das contas, eu tive que me defrontar com essa questão, com minha |
identidade polonesa judaica, frente a necessidade de chegar a ser como um deles. |
No folclore e na cultura brasileira, Judas Iscariotes é lembrado e comemorado com |
a queima de sua imagem numa orgia popular. Em português, a semelhança entre judeu e |
judas (o nome de Judas Iscariotes) tem origem na crença popular. Esta semelhança entre |
os dois conceitos é percebida mais na realidade histórica. Emigraram para o Brasil muitas |
famílias de "cristãos novos", com o objetivo de fugir da Inquisição, pois que foram |
perseguidos também lá por seus emissários. Quase ao mesmo tempo, chegaram ao |
Brasil cerca de um milhão de escravos da África, que adotaram o cristianismo e a cultura |
por compulsão e violência de padres fanáticos. |
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